Escravos do século XXI

Confira o artigo de Renato Naldi, advogado e consultor jurídico


Com o fundado neoliberalismo no início do século XX, as empresas, sedentas a alcançarem uma maior produtividade e participantes da crescente maratona da desleal concorrência, iniciaram um processo de precarização do trabalho. O Brasil acompanha essa lamentável onda com o gradual enfraquecimento da classe trabalhadora, cumulada com o seu contradito dos direitos trabalhistas. A soma desses dois fatores faz com que a interpretação das normas, que resguardavam o trabalhador, retrocedesse a sua aplicabilidade, fazendo-os escravos do século XXI.

A psicologia social nos mostra que o trabalho fornece uma posição ao ser humano, o qual busca uma incansável aceitação social ao possuir um ofício. Portanto, tal status vem como uma garantia de que o trabalhador está contribuindo, de qualquer forma, à economia local, regional ou nacional. Ou seja, o indivíduo quer ser aceito pelo que faz, mas para isso, precisa fazê-lo com satisfação e ser reconhecido como peça fundamental de uma engrenagem operacional.

Nesta esteira, a precarização do trabalho nos é apresentada, a primeiro ponto, como uma derrota das lutas das mais diversas classes trabalhadoras, pois se evidencia que as grandes e pequenas empresas, consolidadas ou não, travam uma batalha entre si por maior rentabilidade e espaço de mercado. Quem sofre com isso é o trabalhador, que se vê atolado em cargas horárias abusivas e enfrenta a centralização do poder. Tais premissas são exteriorizadas através do subjetivismo operacional e do verticalismo hierárquico nas tomadas de decisão.

O não reconhecimento do trabalho resulta na insatisfação do trabalhador. E quando o trabalhador se vê em uma posição de insuficiência frente ao seu trabalho, além do declínio em seu rendimento, o mesmo se encara em privações sociais, pois perdera a sua posição outrora promovida. Tais transtornos resultam em privações materiais e sensação de pobreza.

O resultado é catastrófico. Quem paga? O mercado. A própria empresa que ocasionara esses traumas psicossociais, além de não alcançar os mesmos números de produção, não terá o seu dinheiro investido retornando à sua conta.

Outra vertente que nos é apresentada, diz respeito ao trabalho não subordinado. Este, a meu ver, é a solução e, também, o veneno da nova era!

Há quem aproveite este mecanismo de contratação como uma forma lucrativa, promissora e humana. Ou seja, a ideia da terceirização é fundamental para o desenvolvimento e crescimento entre empresa e prestador de serviço. Mas esta relação deve ser fundada com ideais de boa-fé e alicerçadas com o objetivo comum. Do contrário, o resultado é dramático, pois através de uma visão clássica e positivista, o trabalho não subordinado não se enquadra nas regras contidas na CLT, encontrando amparo somente na esfera civil.

Neste ponto, infelizmente a massacrante parcela trabalhadora fez com que o dito "trabalho não subordinado", transformasse-se na escravatura do século XXI, fazendo com que a precarização do trabalho no Brasil tornasse-se tema tão atual em discussões jurídicas, psicológicas e sociais. 

O contrassenso é tão grande nesse contexto, que nos faz vislumbrar uma ideia de que não existe um Direito do Trabalho, pois o tal não resguarda o trabalho a não ser que este seja subordinado.

Desse modo, o trabalho não subordinado, ou o terceirizado, é usado como mecanismo para que a empresa contratante se esquive das normas trabalhista. É o mesmo que contratar um funcionário a luz da "liberdade contratual", criando normas específicas para regular esta relação jurídica. Quer dizer, toda a normatização trabalhista é deixada de lado para que se inaugure um novo negócio jurídico com normas válidas somente entre as partes.

Quando se utiliza do sistema para esse fim, comunga-se com a corrupção que é tão rebatida e rechaçada por pessoas preocupadas com o futuro.

Portanto, a precarização do trabalho no Brasil e a escravatura do século XXI, devem ser combatidas de duas formas em duas esferas distintas:

A uma, na esfera administrativa, com o implemento do programa de QVT, Qualidade de Vida no Trabalho. Este projeto apresenta à empresa quais são os índices que devem melhorar e como deve funcionar a sua política interna organizacional. Os principais fatores que influenciam o índice de QVT, são a motivação, capacidade e percepção de papel. Se qualquer um desses fatores se apresentar inoperante, ou cair em desuso, o índice da QVT na empresa estará baixo, isto resulta em queda na produtividade, menores lucros e uma equipe desmotivada.

Dessa maneira, um programa de QVT tem como meta o reconhecimento e crescimento pessoal de cada colaborador dentro da empresa, tornando-a mais rentável, através da humanização organizacional.

A dois, na esfera judicial, pois juntamente com a sociedade, o Direito precisa evoluir para que não caia em extinção e, nesse caso, para que não ocorra a erradicação do Direito do Trabalho. Em que pese o trabalho não subordinado não possua, tecnicamente, as características do trabalho amoldado pela Consolidação das Leis Trabalhista, o fim que se busca com a contratação deve ser baliza delimitadora da competência ou não da Justiça do Trabalho.

Logo, o programa de Qualidade de Vida no Trabalho (seja este subordinado ou não), somente agrega a empresa preocupada com os seus colaboradores e associados. Evidencia a sua seriedade e honestidade. 

A descentralização de poderes, a democracia nas principais decisões e a horizontalidade na formação de liderança da equipe em qualquer empresa, cumuladas com a boa-fé organizacional, é o remédio para se evitar maiores problemas políticos e econômicos no Brasil. Ademais, é a melhor forma de salvaguardar uma matéria que está a beira da extinção: o Direito do Trabalho.