Coisas da eleição, do céu e do inferno


Eram dois grandes amigos, desde criança, mas de comportamentos diferentes.
Um era calmo, sossegado, vivia de casa pro trabalho, do trabalho pra casa. Gostava de ficar com a mulher e os filhos. Ajudava a esposa nas tarefas domésticas, passava a lição de casa com as crianças.

Já o outro era agitado, gostava de uma balada e de farrear. Fumava e bebia como um condenado. Filhos tinha aos montes, espalhados por todo lugar. Não assumia a paternidade nem pagava pensão. Só no DNA do Ratinho esteve umas cinco vezes.

Parecia que estava escrito nas estrelas. Um dia eles estavam indo pro trabalho, bem cedo. Fazia um frio intenso e a estrada estava coberta pela cerração. Numa curva mais fechada o carro em que seguiam bateu em um ônibus e os dois amigos morreram na hora.

Aquele que era calmo, cumpridor de suas obrigações, foi direto para o Céu. Lá chegando, foi recebido com muita simpatia e cordialidade por São Pedro, que lhe mostrou todas as dependências celestes e o acomodou em um quarto imenso, branquinho, com todo conforto. Logo ele assumiu a manutenção do Céu e cuidava com muito carinho de tudo. Um dia foi convidado a conhecer pessoalmente o Todo Poderoso.

O outro, tadinho, foi direto para o Inferno. Foi recebido por Satanás com muita displicência e de modo zombeteiro. O diabo lhe mostrou alguns setores do Inferno e o colocou num quartinho fétido, minúsculo, tendo que dividir suas acomodações com mais três inquilinos: Saddam, Hitler e Osama. Um dia teve o desprazer de conhecer pessoalmente Lúcifer, um demônio muito do metido à besta.

O tempo foi passando, pois no Céu e no Inferno tudo dura uma eternidade.

O bom rapaz um dia, com saudades do seu velho amigo, procurou São Pedro, contou de sua amizade com aquele ser caído e conseguiu autorização para visitá-lo. Chegando no Inferno, surpreso viu que o seu portão estava aberto e não havia nenhum sentinela de plantão. Enfiou a cara pra dentro do Inferno, procurou por alguém e nada. Entrou, andou um pouco por aquele lugar abandonado, com cheiro de enxofre no ar. Encontrou um diabinho encostado numa árvore, ao lado de muitas garrafas de bebida, tirando a sesta. O rapaz gentilmente acordou o diabinho e perguntou o que estava havendo. A resposta o desnorteou: ?Ih, moço, o senhor chegou na hora errada. Como amanhã é feriado, nós estamos em pleno feriadão. Ninguém trabalha por aqui até segunda-feira?.

- Nossa, feriadão no Inferno. ? disse o bom rapaz.
O diabinho, meio que com má vontade, explicou que aquela novidade fora trazida por uns políticos brasileiros. Afinal, feriadão é o que eles mais curtiam lá em Brasília.
Não querendo perder a viagem, o rapaz que veio do Céu explicou que estava procurando um amigo que teve na Terra e que queria confortá-lo, pois ele deveria estar sofrendo muito ali no Inferno.

O diabinho deu um sorrisinho maroto e disse que ele podia subir sossegado, pois o Inferno estava totalmente avacalhado desde que certos setores foram terceirizados sem concorrência pública:

?Quando tem lenha pra acender as caldeiras, falta fósforo. Quando tem lenha e fósforo, as caldeiras quebram e os mecânicos demoram pra consertar. Quando está tudo consertado, vem um feriadão pela frente. Passado o feriadão, o pessoal das caldeiras entra em greve. Pior é que este ano tem eleição aqui no Inferno e daí tudo pára mesmo.  Tem um vermelhinho esquisito que chegou de seu país e está prometendo caldeiras movidas a diesel, redução da jornada de trabalho, cesta básica, apoio aos diabos sem-terra. Já ultrapassou Lúcifer e na última pesquisa já estava em primeiro lugar. Acho melhor o senhor desistir, moço. Aqui ninguém mais trabalha. É campanha política o dia inteiro?.

E ele conclui, de modo peremptório: ?Isso aqui está um inferno!?



* Camões Filho, jornalista, escritor e pedagogo, é membro titular da Academia Taubateana de Letras.
E-mail para contato com o autor: camoesfilho@bol.com.br