A morada da felicidade



O grande escritor brasileiro Guimaraes Rosa disse certa feita: 'Infelicidade e uma questão de prefixo'. Maravilhosa essa colocação do autor de "Grande Sertão: Veredas". Não querendo ser didático, mas já sendo - mania do meu lado pedagogo - basta tirarmos o prefixo "in" de infelicidade e teremos a felicidade total, completa.

Nós vivemos a vida toda na ânsia de sermos felizes, mas somente o tempo, que é o senhor da razão, nos dá o discernimento necessário para sabermos que a morada da felicidade está dentro de nós mesmos. Tem gente que descobre essa verdade um tanto quanto tarde, mas dê uma chance à felicidade. Vale a pena.

Mas procure ser feliz por inteiro, de coração puro, límpido como a água doce de um córrego que desce feliz das montanhas. Lembre-se sempre desse velho bordão: 'Você quer ser feliz por um instante? Vingue-se. Você quer ser feliz para sempre? Perdoe.'

Havia um antigo comercial que dizia que a felicidade é uma calça velha azul e desbotada. Nós, ao longo da vida, buscamos a felicidade em muitas coisas, ilusões que vão estourando feito bolhas de sabão. Até o dia em que descobrimos que a felicidade se encontra nas coisas mais singelas, como uma casinha no pé da serra, o aconchego da pessoa amada, o convívio com os amigos.

O tempo passa muito rápido. Ontem já foi, é página virada e essa história ninguém poderá reescrevê-la. Amanhã é uma ficção, mera expectativa. De nós mesmos só temos o aqui, agora, que é uma dádiva de Deus e, exatamente por isso, chamamos de presente. A vida é assim, como diria Nélson Rodrigues, outro grande frasista. Diante dessa realidade, não acumule ódios e tristezas em seu coração, esse frágil relicário que às vezes bate, às vezes apanha.

Seja feliz já! Não deixe para amanhã a constatação, tardia, de que era feliz e não sabia. Não brigue com os acontecimentos de nossa vida. A existência humana é assim mesmo, muitas vezes complicada. E quando não o é, a gente que complica, com uma visão zarolha acerca dos fatos que nos cercam.

Interessante como a maioria das pessoas se mostra irmã da infelicidade, especialmente quando valoriza essencialmente a parte material. Ser pobre é ser infeliz? Para a maioria das pessoas, que vive no sufoco, contando seu vil metal, a resposta é "sim", com certeza. Mas não é verdade. Existe uma antiga lenda de um rei que tinha uma filha doente e o sábio da corte lhe disse que ela somente se curaria se vestisse a camisa de um homem realmente feliz. Depois de procurar, finalmente foi encontrado o único homem feliz de todo o seu reino. E ele sequer tinha camisa para vestir.

Afinal, qual a diferença entre rico e pobre no momento em que estamos vivendo, o único que temos? Neste dia, neste momento, não há diferença entre rico e pobre. Todos irão almoçar e jantar uma única vez.  E quem garante que o rico, possivelmente preocupado com os quilinhos a mais, irá se alimentar melhor que o pobre? Muito provavelmente neste momento o pobre irá se alimentar melhor, divertir-se bastante, amar mais, ter maior convívio com seus filhos, sua família, seus amigos.

O rico, muitas vezes com a ganância de ter cada vez mais e mais, esquece dessas sutilezas da vida, ama menos e não vive, vegeta em cima de sua riqueza. Quando parar para pensar em tudo isso, a vida já passou, ele já era.

Para ilustrar essa sutil diferença entre ricos e pobres, relembro uma antiga historinha:
Um pai, bem estabelecido na vida, querendo que seu filho soubesse o que é ser pobre, o levou para passar uns dias com uma família de camponeses. O menino ficou três dias e três noites vivendo no campo. No carro, voltando para a cidade, o pai perguntou:
- Como foi sua experiência com os caboclos?
- Boa - responde o filho.
- E o que você aprendeu? - insistiu o pai.
O filho então respondeu:
"Aprendi que nós temos um cachorro e eles têm quatro. Que nós temos uma piscina com água tratada, que chega até a metade do nosso quintal. Eles têm um rio sem fim, de água cristalina, onde tem peixinhos coloridos e outras belezas. Que nós importamos lustres do Oriente para iluminar nosso jardim, enquanto eles têm as estrelas e a lua para iluminá-los. Que nosso quintal chega até o muro. O deles chega até o horizonte. Nós compramos nossa comida, eles cozinham. Nós ouvimos CDs. Eles ouvem uma perpétua sinfonia de pássaros, periquitos, sapos, grilos e outros animaizinhos. Tudo isso às vezes acompanhado pelo sonoro canto de um vizinho que trabalha sua terra. Nós usamos microondas. Tudo o que eles comem tem o glorioso sabor do fogão à lenha. Para nos protegermos vivemos rodeados por um muro, com alarmes. Eles vivem com suas portas abertas, protegidos pela amizade de seus vizinhos.  Nós vivemos conectados ao celular, ao computador, à Internet, à televisão. Eles estão conectados à vida, ao céu, ao sol, à água, ao verde do campo, aos animais, às suas sombras, à sua família".
O pai ficou impressionado com a profundidade de seu filho, com tudo que aprendera em apenas três dias. E então o garoto concluiu, dizendo:
- Obrigado, papai, por ter me dado a oportunidade de descobrir o quanto somos pobres e eles ricos e felizes!

Camões Filho é jornalista, escritor e pedagogo, é membro titular da Academia Taubateana de Letras.
E-mail para contato com o autor:  camoesfilho@bol.com.br