Pai, onde quer que você esteja, feliz dia!


Quando adultos, não fomos tão íntimos, era uma relação complicada embora não faltasse afeto e respeito. O vício é o maior agente desintegrador de uma família e quando um homem se entegra ao álcool, compromete sua alma e sua missão em vida. Foram tempos difíceis, e ainda mais difícil ver aquela figura forte começar a definhar devido aos primeiros indícios de cirrose etílica. Ele sofreu arrependido, eu sofri calado.
 
Herdei dele os cacoetes do 'pisca-pisca' ou do joelho direito balançando quando estou tenso, e dele também herdei um forte senso de justiça, assim como a paixão pelo clube de futebol: a modesta e simpática rubro-verde, a Lusa do Canindé. Um time de poucos títulos que em raros momentos fez a paixão comum nos aproximar em diálogos sobre esquemas táticos, atletas e treinadores.
 
Lembro-me pequeno, de cabelos loiros feito paina, quando ele me colocava no banquinho dianteiro de uma surrada bicicleta preta pra me levar a um futebol aos domingos. Eu detestava quando ele me levava ao barbeiro e ordenava: corte 'americano'!  Queria sumir do mapa quando no dia seguinte a criançada da escola zoava minha quase careca.
Mas, eu era o xodó dele e quantas vezes ele me defendeu contra os garotos maiores e abusados.
 
Depois, tudo foi mudando, percebi meu defensor se afastando! Tantas vezes relutei contra o tempo que passou rápido demais. De repente me fiz homem e estava ali diante daquela figura autoritária. Seu lema era: ?Não brigue na rua, mas se brigar, não apanhe!?
E como dois bicudos não se bicam, tivemos as desavenças de galegos. Eu nunca fui de arregar, mesmo com ele, e não poderia ser diferente, ele era meu espelho! 
 
Lamento ainda nossos revezes e pouco compartilhamento. Poderíamos ter sido mais amigos, mas eu sei que a raiz disso está lá no começo da trilha, num outro tempo, outra experiência corpórea. Sei que poderíamos ter tentado mais. Porém, nada acontece por acaso.
 
Naquele dia 16 de abril de 1988 ele foi embora e eu começava no jornalismo. Foi a primeira vez que publiquei uma crônica. Desde então, parece que ele sempre passa por perto, feito brisa moleque, que me desafia como sempre fez. Quer que eu faça ainda melhor do que faço. Era essa a sua fórmula de revelar em mim um dom, era seu jeito de acreditar que me colocou no mundo pra eu ser justo e livre nos meus atos e pensamentos. Prometo que não vou desapontá-lo, pai!
 
Às vezes estávamos tão próximos de um abraço, uma mão no ombro, que poderia quem sabe curar muitas de nossas feridas, mas nenhum de nós deu esse passo!  E no último adeus, amaldiçoei a minha fraqueza!  Hoje, creio que não sou nada diferente do que ele foi. Esse gênio forte me acompanha, e embora me orgulhe disso, busco a temperança.
 
Essa crônica não é só pra falar apenas do senhor João Batista. Escrevo para saudar todos os pais vivos e, em especial, aqueles que já não estão fisicamente próximos de seus filhos, nem brincando ternamente com os netos.
 
Para os filhos que ainda tem a força da figura paterna presente em vida, não custa nada dar um abraço mais demorado! Não precisa dizer nada, porque ele entenderá tudo!
Um dia você vai passar o que ele já passou! Vai entender porque ele não o avisou que o mundo não é aquilo que você vê, e essa experiência é sua; ódio, amor, criação e destruição, sinceridade e falsidade, reconhecimento, ingratidão, tudo são ingredientes, são instrumentos pra que se componha a música de sua própria vida.
 
E a vida é isso: trajeto de um sol que nasce robusto e caminha ardente. Um dia, quando nem percebemos, o céu de nossos corações fica nublado porque chegou a hora do desaparecimento por trás da montanha!
 
Pai, Feliz Dia! A gente um dia se vê!